Uma queda de braço ou uma união de forças?
Muito se fala sobre a eliminação de empregos e as ameaças que a Inteligência Artificial (IA) já está impondo a humanidade, também muito se fala sobre as oportunidades que se abrem com esta tecnologia maravilhosa. Quem está certo?
Não há certo ou errado, a magia reside em explorar o que há de bom e buscar remover o que há de ruim. É um desafio que se impõe a nossa sociedade, que precisa continuar sendo discutido no âmbito acadêmico, social e político. Assim como tantos outros desafios de cunho quase dualista, como a proteção do meio ambiente, economia de livre mercado e a regulamentação de itens relacionados a saúde física e mental.
Reflexões sobre a importância do caminho do meio
Sou um entusiasta do caminho do meio na esfera filosófica da vida e os argumentos a seguir me levam a crer que os extremos, são usualmente a pior escolha.
Na esfera ambiental, temos como exemplo, a escalada da poluição e da exploração das reservas naturais ancorado no discurso de progresso, inovação e produção de empregos independente dos impactos que isso possa levar. Hoje ponderamos melhor se o caminho deve ser de fato este, afinal, estamos sentindo na pele o calor e a fúria do tempo em várias regiões do mundo. E novamente, o caminho não é o 0 ou 1, não é o preto ou branco. A magia ocorre entre estes dois polos, em produzir e inovar sem poluir, com tecnologias e materiais novos que nos permitam continuar fazendo progresso, sem afetar, tanto o meio ambiente.
Na esfera econômica, nos parece que a única coisa certa a fazer é deixar as coisas acontecerem por si só. Para muitos, o governo e os agentes da sociedade, não deveriam em hipótese alguma se quer emitir opinião a respeito, no entanto, quando o mercado, ensandecido por inovações do capital, se vê colapsado, como o que vimos na crise do mercado imobiliário americano em 2008, a única salvação, parece estar no que sempre foi evitado: o governo. Afinal, se o governo não agir, a nossa aposentadoria, os nossos salários e o conforto de uma vida planejada, esperando para ser desfrutada, simplesmente seria transformado em pó.
Na esfera da saúde do corpo, nós enquanto sociedade, inovamos e criamos o açúcar e a farinha que nos permitiram produzir alimentos em larga escala, afastando previsões pessimistas de que a sociedade, em seu ritmo de crescimento, não teria alimento suficiente para todos. Afastadas as questões de distribuição de renda; a produção de alimentos hoje em dia, não é mais um problema, seja ela para alimentos industrializados ou in natura. Tudo isso, pois nós, humanos, temos uma capacidade única de nos reinventarmos, de inovar e de desenhar um futuro melhor quando o que é vislumbrado é pessimista. Entretando estamos nascendo e vivendo mais obesos e menos saudáveis em função das inovações que criamos. Devemos regulamentar assim como fizemos com o cigarro? Fica a reflexão.
Por fim, na esfera da saúde mental, inovamos magnificamente com smartphones, telecomunicações e aplicativos que nos permitem acesso a redes sociais. É incrível, é fascinante, mas novamente, o caminho reside, na minha visão, no meio. Experimente deixar uma criança já com seu 1 ano de idade, utilizar da forma como quiser um smartphone e não interfira no uso, deixe-a apenas usufruir. Os pais e mães que aqui estão lendo este artigo, ou mesmo, aqueles que observam o mundo a sua volta, notarão que as crianças, se não controladas, passarão horas exclusivamente diante do aparato tecnológico e esquecerão completamente de brincar, interagir, socializar. Remeto a criança, para demonstrar que se a alienação já ocorre logo nos primeiros anos de vida, os demais serão ainda mais influenciados por um mundo, que é trago através de uma tela e cujo o conteúdo não é feito majoritariamente para educar e levar a reflexão, é feito, em sua maioria, para levar ao uso continuo daquela mesma tela. Evitarei dizer a respeito dos impactos sobre nós, adultos, afinal, como já vimos na esfera ambiental e econômica, nós não precisamos de regulamentação nem controle nenhum, não é verdade? Sabemos controlar o uso, acessar conteúdo majoritamente educacional e raramente, apenas com pitadas homeopáticas, assistimos um conteúdo bobinho. Afinal o peso da vida nos é um grande fardo, portanto, que mal faz uma dose de dopamina oriunda de um rolar de dedos continuo na tela do celular, não é mesmo? Aqui caímos novamente, na necessidade de transitar do excesso a ponderação.
Pois bem, passado as reflexões sobre o melhor uso de cada inovação tecnológica, que a meu ver deveriam sempre incentivar o caminho do meio, passemos a mais esta fantástica inovação tecnológica, a inteligência artificial.
O caminho do meio da inteligência artificial
Para os que não me conhecem, nasci em 1981 e somente em 1994 tive acesso ao meu primeiro computado. A partir de então nunca mais o larguei. Ele me acompanhou na faculdade, escolha da qual me orgulho: cientista da computação e me acompanha até hoje na profissão que exerço. Sou o que chamam por aí de dev, ou desenvolvedor de software. Já há alguns anos me apaixonei por liderar e a minhas prioridades refletem esta escolha, mas o magnetismo da tecnologia, não me permite afastar do poder que sinto nas mãos em construir algo apenas sentado na confortável cadeira que aqui me abriga. Ressalto isso, pois as opiniões que vocês aqui leem são oriundas de um nerd e não de um filosofo ou sociólogo e que ama sim o capitalismo e todas as benesses que ele proporciona.
Como era de se esperar, vejo no caminho do meio, ou na combinação entre humano e IA o que melhor pode nos acontecer, digo sempre por mim, afinal este é um artigo opinativo e não informativo.
O caminho do meio a meu ver reside em utilizar o que é o melhor do ser humano com o que há de melhor da AI. Nós, humanos, temos a real capacidade de inovar e aplicar conhecimentos adquiridos em tópicos completamente diferentes, assim, eu aplico ensinamentos que tenho ao praticar esportes de endurance, na minha rotina de trabalho. Aplico os ensinamentos que tenho nos livros de filosofia no relacionamento com minha família e amigos, aplico conhecimentos de mindfullness ao degustar um bom vinho. Esta é a minha vida, é meu cérebro trabalhando em prol daquilo que ele aprendeu em uma área e aplicando-a em outra completamente distinta.
Como em um belo livro que li, chamado Rápido e Devagar, reconheço que o meu cérebro não é bom com estatística e trabalha muitas vezes de forma automatizada, assim, eu tendo a ser influenciado por casos ou situações que acontecem com um grupo que não representa o todo. Quando digo que a sociedade está doente por causa das redes sociais, isso é uma inverdade do ponto de vista estatístico, afinal a sociedade é composta de 100% dos humanos, e há apenas um % destes que não usam redes sociais e um outro percentual ainda menor que está doente por causa destas. Também tenho reações rápidas e impensadas, assim, muitas vezes me pego perguntando se tranquei a porta antes de sair de casa, pois o que acontece aqui, ao contrário do que se possa imaginar, não foi um esquecimento, foi um comportamento não racional, automatizado e que, portanto, não capturou a atenção do meu cérebro.
Já a IA, e aqui estou me referindo majoritariamente a um pedaço específico, conhecido como IA generativa baseado em grandes modelos de linguagem (LLM), é completamente criada de forma estatística. Tudo o que se vê ao produzir um texto, no ChatGPT, é a formação perfeita e estatisticamente correta do que mais provavelmente possa ser escrito, colocando uma letra após a outra, uma palavra após a outra. Este é o motivo pelo qual, as alucinações ocorrem, afinal a IA está processando a produção de texto e não a narração de fatos. Assim, quando estou desenvolvendo um código para um aplicativo qualquer e recebo sugestões de códigos já prontos, que me otimizam e muito o trabalho, estou me beneficiando enormemente de uma inteligência com grandes habilidades em estatística que me sugere o que é mais provável que eu vá escrever nos próximos minutos e isso é simplesmente fantástico!
Quando tenho dúvidas sobre como conectar conceitos distintos e aplicabilidade prática é o ChatGPT quem me salva e não mais a busca do Google. Tudo isso pois ele combina dois ou mais conteúdos estatisticamente relevantes, para produzir uma narrativa (também estatística) que cai como luva para a necessidade do momento.
As aplicações são inúmeras e estamos apenas no início da exploração da sua potencialidade, mas como tudo tem um caminho do meio, eu só entendo, até o momento, que o que eu mais gostaria em relação a IA é que eu fosse protegido de não me permitir alucinar junto com ela e que portanto eu não vire um humano que deixou de gerar sua própria criatividade baseado em coisas que vejo, sinto e aprendo e que não são estatística. Deixe-me ilustrar o que penso através de exemplos.
Assim como quero ser informado que um alimento contém açúcar e certamente isso é condição de vida ou morte para diabéticos, gostaria de saber se as imagens que vejo na TV são reais ou criadas por IA, gostaria de saber se o repórter que narra os fatos é real ou não, gostaria de saber se o meu professor, na escola de negócios, que me ensina sobre como ganhar mais dinheiro com IA é real e está contando casos reais, ou se foi criado por uma IA que está alucinando sobre casos que não existem.
Gostaria que quando eu lesse o review de um produto e ele for classificado como 5 estrelas, que este conteúdo seja uma recomendação humana. Gostaria que ao ir ao show do meu cantor preferido e que quem estivesse no palco fosse ele e não o seu holograma, e que por fim, se eu alucinado pelas maravilhosas criações que só nós humanos conseguimos criar, como as Lives NPCs (sendo sarcástico, para você perceber que este conteúdo não foi escrito por IA) e resolvesse contribuir com dinheiro para alguém do outro lado da tela, que este alguém fosse um humano e não uma IA.
Em muitos casos, não há necessidade de saber se o que foi produzido é humano ou criado por inteligência artificial. Eu não preciso saber se o pedaço de código que criei foi feito por IA ou por humano, eu só preciso que funcione de acordo com as regras que eu, humano, criei, e que, através do meu senso crítico eu possa validar e testar o que está funcionando e caso queira, ter acesso ao que lá foi escrito. Eu não preciso saber se o manual de uso da minha TV foi criado por humano ou IA, também não me importo em não saber se uma análise de dados que levarão a tomada de decisão foi feita por IA ou humano, desde que eu tenha discernimento crítico e acesso a cadeia lógica que levou aquela análise.
Gostaria muito de ser mais objetivo e claro em meu posicionamento, mas a fronteira entre o que eu preciso saber e o que não preciso saber é quase liquida e preciso refletir mais a respeito, a única convicção que tenho é que eu não quero me alucinar e perder a capacidade de discernir e poder continuar alimentando o meu lado criativo, oriundo de conteúdos hora criados por IA, hora criados por humanos, desde que eu tenha o direito de escolher entre eles.
Filosofia de “buteco”, como costumo dizer. Fica a dúvida: teria eu, este “direito” ou “necessidade” de saber se o que vejo, ouço ou assisto é criado por humano, assim como tenho o “direito” de saber se o que como tem açucar? Ou é melhor deixar pra lá, afinal, tanto faz se é humano ou criado por AI?
Só me parece estranho, pensar que tanto faz eu saber se o que eu compro para presentear é uma pedra preciosa ou uma réplica, ou se o vinho raro que comprei na verdade foi envazado com uma cópia.
Que fique a reflexão 🙂