Então ele acorda novamente as 5 da manhã, desanimado e com vontade de permanecer na cama, afinal o motivo para acordar tão cedo já não existe mais: a tal prova de Ironman que aconteceria dentro de 1 mês foi cancelada devido a pandemia. Mesmo assim, meio que automaticamente, ele levanta, toma um café quente na manhã fria, satisfaz o gosto doce do ócio, deslizando o dedo sobre o feed do Instagram. Ali permanece por longos minutos até que finalmente sobe na bicicleta, que parada no rolo o aguarda. Coloca os fones de ouvido e lentamente começa a girar o pedal. Neste ritmo, pensa: nem uma gota de suor cairá pelos próximos, duros, 60 minutos, mas então sem nem mesmo saber porque, permanece ali, ouvindo um podcast com o consagrado Bernardinho.
O tempo passa, 20 minutos apitam no cronômetro, o sangue já irrigou os vasos da perna e o corpo, já aquecido, pede um pouco mais de força. Ele, ainda desanimado, empenha 2 minutos de um tiro forte no pedal, mas logo pensa: por hoje é só. Então descansa por mais 2 minutos e novamente um tiro de 2 minutos, desta vez mais forte. A esta altura, o podcast já não chama mais a atenção, mesmo sendo o seu ídolo a falar através dos fones de ouvido. A playlist recebe agora “O Rappa” e a euforia e a ofegância liberam a adrenalina. Um novo tiro de 2 minutos, ainda mais potente é dado e novamente mais um e mais um, até o misericordioso tiro final.
Ufa! Acabou! Agora a endorfina toma conta de suas veias e a pergunta logo vem a mente: Por que diabos você levanta tão cedo se nem o grande objetivo tens mais? Ele, sem saber a resposta exata, apenas reflete: porque a vida, aquela que vale a pena ser vivida, não está só no salário, que no meio de tanta incerteza ainda cai no fim do mês, nem tão pouco a felicidade está só na saúde, que mesmo em tempos de pandemia o agracia e a família com imunidade em alta, por fim não está só na felicidade trazida pela comunhão com a esposa e filhas que tanto o amam e cuidam.
A vida, reflete, aquela que vale a pena ser vivida está na combinação de tudo isso: reserva financeira, saúde, amor familiar, mas ainda mais, na vontade de ser cada dia melhor: não melhor do que o outro, mas melhor do que a sua própria versão de ontem.
Estas são minhas reflexões ao ver o gráfico que ilustra este artigo. O gráfico é dado pela tal bicicleta e mostra, a cada 2 minutos um empenho melhor do que os 2 minutos anteriores. É apenas, numa escala micro, a tangibilização da versão do eu de agora melhor do que o eu do passado.
Nota: Muitos ciclistas pedalam por horas na potência que pedalei por apenas 2 minutos, mas será que a felicidade está em ser melhor do que eles ou “simplesmente” ser melhor do que eu mesmo? Sigamos em frente, afinal atrás vem? Eu mesmo.
Texto escrito em 06 de maio de 2020.